Somos chamados a viver como irmãos. A criarmos um ambiente favorável ao crescimento pessoal de cada filho amado do bom Deus. “Amem-se uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15, 12).
A exigência do Senhor
é que vivamos como irmãos, filhos de um mesmo Pai e adoradores de um mesmo
Deus. Mas como podemos fazer isso quando somos tão diferentes? O amor que nos
une vai além das diferenças. Somos para amar independente do jeito de ser do
outro ou de suas atitudes.
Muitas vezes não
simpatizamos com algumas pessoas e nos fechamos a elas. Por não haver nenhum
tipo de afinidade ou simpatia, simplesmente nos recusamos a amá-las. Deixam de
serem nossas irmãs porque não podem ser nossas amigas.
Entretanto, a
fraternidade (o amar o outro como meu irmão) ultrapassa a amizade. Na relação
de amizade, a simpatia, a afinidade, a reciprocidade serão sempre pressupostos
fundamentais da mesma. Mas isso não vale para a fraternidade. Mesmo quando não
simpatizo com alguém devo lembrar que somos filhos do mesmo Pai e adoradores do
mesmo Deus, e por isso preciso amá-lo.
A amizade é boa e
abençoada pelo Bom Deus. Os amigos crescem juntos, ajudam-se. Ela é uma
necessidade da pessoa humana. O amigo é aquele com quem se compartilha a vida
na sua significância mais profunda. É diante dele que podemos nos apresentar e
abrir o nosso coração, partilhando os sentimentos, as emoções, as dores que não
teríamos coragem de dizer para mais ninguém. Ele é tesouro precioso, reflete a
acolhida do próprio Deus que permanece conosco mesmo nos conhecendo e sabendo
de nossas inúmeras misérias. Acredita sempre em nossa capacidade e nos auxilia
a ser sempre melhores do que somos.
Contudo, ela requer sempre
reciprocidade e certa exclusividade, a qual em alguns momentos pode ser prejudicial
à fraternidade. Como por exemplo, dois amigos que em um momento comum de
encontro entre os membros do DJC afastam-se do grupo e se isolam. Isso
prejudicará a relação fraterna deles com os demais. Não haverá espaço para o
desenvolvimento e prática da fraternidade.
Precisamos ir além do
emocional e nos esforçarmos para amar a todos mesmo que estes não nos causem
muita simpatia. A certeza de que somos filhos de um mesmo Pai deve nos conduzir
ao amor fraterno, sobrepondo-se às relações naturais e emocionais.
Somos para o outro. Se
estamos em comunhão com Cristo somos para o irmão e isto constitui o nosso ser.
Nossa vida não é nossa simplesmente, mas em Cristo somos vida da humanidade e
para a humanidade.
Aquilo que sou está
sempre em relação com o outro. Por isso, eu preciso aceitar o outro como
legítimo outro e não como parte de mim. E mais, não posso recusar-me a
aceitá-lo como ele é porque espero que se torne melhor para poder amá-lo. O
amor pode provocar mudanças nele, mas nunca o terei totalmente transformado,
segundo os meus próprios conceitos, para só então me decidir a amá-lo. Sem
falar que a nossa capacidade de conceituar é limitada e, por isso, tantas vezes
nos enganamos, considerando bom aquilo que é prejudicial. “Procure me amar
quando menos mereço, pois é quando mais preciso”.
Preciso acolher o
outro e acolhê-lo como ele é, e com tudo o que traz consigo (limitações, medos,
traumas, temperamentos, dificuldades, etc). Da mesma forma que me acolho e
aceito como sou e com tudo o que tenho de positivo e negativo. Abro um espaço
em mim mesmo para acolher o irmão. Em vez de me fechar, escolho abrir a porta
do meu coração e livremente dou um lugar a ele. E isso inclui estar disposto a
ouvir os questionamentos do irmão e a acolhida da correção fraterna, quando
esta for necessária ao nosso crescimento. “Posso até não concordar com o que
você diz, mas defenderei até o fim o seu direito de dizer” (Voltaire).
Precisamos amar, é
isto que o Bom Deus nos pede. E amar é dar a própria vida. E tomar esta atitude
é fácil? De maneira alguma, dar a vida por outrem dói. Jesus Cristo
experimentou bem isso ao se entregar totalmente por amor a nós. Ou você acha
que nada sofreu ao carregar a cruz dos teus pecados, sendo xingado, açoitado,
coroado de espinhos, cravado na mesma cruz e nela derramando todo o seu sangue
por amor a ti?
Dar a vida é
renunciá-la e entregá-la gratuitamente como o próprio Jesus o fez. “Quem quiser
salvar a própria vida vai perdê-la” (Mt 16, 25). Amar o irmão com quem caminho
vai exigir que eu morra um pouco em cada atitude, em cada acontecimento. Terei
que renunciar algumas de minhas vontades, mas terei de fazê-lo para ser vida
para o irmão. Jesus se entrega pelos Seus para lhes garantir a vida em
abundância.
O mais fácil de exigir
é que o outro mude de atitude, seja diferente porque queremos sempre ser
compreendidos e nos recusamos a compreender o outro. É o irmão que precisa
mudar para ser aceito, nunca eu mesmo. O difícil de fazer é dar a vida,
procurando perceber que algumas vezes eu também sou um peso para os outros e
esses, em sua limitação, da mesma forma desejariam que eu fosse diferente para
conseguirem me amar um pouco mais. Espero
a transformação do irmão porque me recuso a ser o primeiro a se deixar ser
transformado. E, além disso, é mais cômodo esperar pelos demais do que procurar
caminhar de acordo com aquilo que o Bom Deus espera de mim. Justificamos nossas
atitudes pelas atitudes alheias. Esquecemos que não estamos numa competição
para medirmos forças com o irmão, mas estamos caminhando juntos e querendo
chegar a um mesmo lugar. E o caminho é o próprio Amor que se fez homem e
aceitou viver a condição humana para nos divinizar, tornando-nos perfeitos no
‘amor, que é o laço da perfeição’ (Cl 3, 14).
“O ‘sim’ ao amor é
fonte de sofrimento, porque o amor exige sempre expropriações do meu eu, nas
quais me deixo podar e ferir. O amor não pode de modo algum existir sem esta
renúncia mesmo dolorosa a mim mesmo, senão torna-se puro egoísmo, anulando-se a
si próprio enquanto tal”.
Devo criar um espaço
onde o outro possa chegar e ser ele mesmo, sendo amado por mim
incondicionalmente como o próprio Deus nos ama. Devo estar disposto a mostrar a
ele com atitudes (testemunho) que o amor de Deus em nós, convida-nos a viver
como irmãos e a sermos sempre mais amor uns para com os outros. E isto vai
exigir de mim a renúncia do meu eu inúmeras vezes e sempre será difícil
fazê-lo, porém amadurecerei mais a cada nova batalha contra mim mesmo e as
influências de Satanás. Não será fácil, mas não fomos feitos para viver de
facilidades e sim de Amor.
Assim, supliquemos ao
Espírito Santo que é o amor do Pai derramado em nossos corações para que ele
nos ensine a renunciar um pouco mais nossas vontades e até nossas convicções
para podermos doar nossa própria vida, aceitando
morrer para tudo o que impede o nascimento, o crescimento e o fortalecimento da
autêntica fraternidade entre nós. E com Cristo possamos: “Corrigir os
indisciplinados, confortar os pusilânimes, amparar os fracos, refutar os
opositores, precaver-se dos maliciosos, instruir os ignorantes, estimular os
negligentes, frear os provocadores, moderar os ambiciosos, encorajar os desanimados, pacificar os litigiosos, ajudar os
necessitados, libertar os oprimidos, demonstrar aprovação aos bons, tolerar os
maus e [ai de mim!] amar a todos” (Santo Agostinho).
Edilma Santos
Assistente Geral do Desenvolvimento Integral